Sei que devo receber críticas de muitas pessoas que trabalham com o assunto por todo o país por escrever este post, mas preciso dizer que, no Brasil, não existe um estudo sistemático da chamada “Criminologia” como ciência ou disciplina independente, o que quer dizer que o assunto está geralmente relacionado às escolas de direito, dentro da área penal.
Então, dito isso, cabe a mim esclarecer o mal-entendido. Primeiramente, é necessário entender que a criminologia é um conjunto de conhecimentos que se ocupa do crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social do ato criminoso, bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo. Etmologicamente, o termo deriva do latim crimino (crime) e do grego logos (tratado ou estudo). Assim, criminologia seria o “estudo do crime”.
Trata-se de uma ciência empírica, baseada na experiência da observação, nos fatos e na prática, e interdisciplinar, englobando o diálogo entre ciências distintas como a biologia, a psicopatologia, a sociologia, a política, a antropologia, o direito, a criminalística, a filosofia, entre outras.
Como eu havia dito anteriormente, a criminologia, como ciência autônoma, possui objeto próprio (crime, criminoso, mecanismos de controle social que atuam sobre o crime e a vítima), rigor metodológico que depende de experimentação, possibilidade de refutação de teorias, além da consciência da transitoriedade de seus postulados.
A relevância da criminologia reside no fato de que não existe sociedade sem crime. Ela contribui para o crescimento do conhecimento científico com uma abordagem adequada do fenômeno criminal. O fato de ser ciência não significa que ela esteja alheia a sua função na sociedade. Muito pelo contrário, ela filia-se ao princípio de justiça social.
Os estudos em criminologia têm como finalidade, entre outros aspectos, determinar a etiologia do crime, fazer uma análise da personalidade e conduta do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que é uma preocupação da criminologia e não do Direito Penal), identificar as causas determinantes do fenômeno criminógeno, auxiliar na prevenção da criminalidade; e permitir a ressocialização do delinquente.
Exatamente por se tratar de uma ciência interdisciplinar é que ocorrem as confusões entre a criminologia e as demais ciências afins. Vou ter de confessar que o meu trabalho de pesquisa é, em primeiro lugar, relacionado à criminologia.
Mas, por não existir nenhuma faculdade de criminologia no país, eu me “escondi” em uma Faculdade de Arquitetura e Urbanismo para discutir o tema, sob o pretexto de estar buscando um melhor planejamento espacial do estabelecimento penal. E engraçado dizer que, após análise do meu projeto de pesquisa pela CAPES, instituição brasileira que financia o meu doutorado sanduíche, meus estudos foram enquadrados como “Teoria do Direito”.
Principalmente por estar passando essa temporada nos Estados Unidos, país com o maior contingente encarcerado do mundo, onde Criminologia é assunto de magnitude, consigo perceber a diferença entre a relevância dada ao assunto no Brasil e em outros locais no mundo. Além de entender também o porquê de as pessoas não compreenderem o meu trabalho, na maioria dos casos.
Em uma das aulas de Crime & Corrections que assisti nesta semana, uma das apresentações dos alunos tratava sobre os “direitos legais” da mulher presa (sim, esse foi o termo utilizado por ela, “legal rights” em inglês). Ao final da apresentação, um dos apontamentos de sua conclusão foi que a maioria dos dados obtidos foram originados de pesquisas na área do direito e que, para uma melhor eficácia e compreensão das experiências realizadas, tais pesquisas deveriam ser reunidas em estudos sob uma perspectiva criminológica.
Neste momento, a Professora Doutora Doris Mackenzie, responsável pela disciplina, pontuou essa necessidade de se reunir estudos com enfoque no direito sob um olhar mais criminológico, destacando, na oportunidade, as diferenças principais nos métodos utilizados. Como ela bem explicitou, o direito está geralmente voltado na busca de “casos”, em que se deve tomar partido e ser parcial, ao passo que a criminologia tende a ter um olhar mais objetivo e imparcial.
Aí é que se escondem muitos dos problemas relacionados à criminologia no Brasil, eu diria. Por falta de estudos sistematizados, as políticas públicas e sociais voltadas aos crimes, à segurança pública, aos presos e egressos, bem como às vítimas não são adequadamente definidas e, consequentemente, quando existem e são implementadas, não são propriamente monitoradas e avaliadas.
Infelizmente, da forma em que está hoje, a questão do crime e de seu controle pouco (ou quase nada) avançará no país. Enquanto as disciplinas que se relacionam à criminologia continuarem sendo estudadas sem a correta sistematização, tudo continuará na desordem em que se encontra.
Eu sempre brinco com alunos, sobretudo da graduação, dizendo que “no Brasil, não existe vida após a condenação”. Por que digo isso? Exatamente pela falta de sistematização criminológica. Atualmente, com o crime sendo estudado tão somente como matéria de “Direito Penal”, não há como desenvolver nenhum tipo de política adequada voltada à segurança pública, já que não se analisa a personalidade e a conduta do criminoso, nem as causas determinantes do fenômeno criminógeno de modo a prevenir a criminalidade e ressocializar o indivíduo delinquente. O que se faz na atualidade é procurar enquadrar o fato à lei (direito material penal), e verificar se o processo legal está sendo aplicado adequadamente (direito processual penal). Após o “Processo Penal”, quando é definido se o réu é absolvido ou condenado, ninguém se interessa mais pela “Execução Penal”.
É preciso urgentemente reconhecer que não adianta modificar a lei penal (acrescentando, modificando, adaptando ou retirando tipos penais), ou diminuir a maioridade penal para que a criminalidade seja controlada. É preciso reconhecer que o crime é um fenômeno social e, por essa razão, é necessário compreendê-lo de maneira sistematizada, de modo a possibilitar o seu efetivo combate.
Fonte das definições utilizadas: Wikipedia
Post escrito na vigência da Bolsa de Estágio de Doutorado – Balcão concedido pela CAPES, desenvolvido na Pennsylvania State University, em State College, PA, Estados Unidos.