Recentemente, estava dirigindo em uma dessas highways do estado da Pensilvânia, que, embora tenha seu estado de conservação praticamente impecável, tinha vários trechos em obras de reparos. O limite médio de velocidade de auto-estradas como a que eu estava dirigindo é de 65 milhas por hora, mas em locais onde há homens em serviço, é reduzida a 40. Enfim, numa dessas distrações e não reparando a velocidade em que estava, acabei sendo parada por um desses policiais de patrulha rodoviária. Resultado: multa de $174. Bom, a multa em si era de $78,50. Chegou ao total de $174, adicionado a taxas, serviços médicos emergenciais, Medicare, custas, entre outras coisas que não vou nem ousar tentar entender.
Enfim, o que eu recebi no ato foi uma citação, explicando quais os meus direitos e obrigações. Eu poderia requisitar uma audiência no tribunal para discutir a acusação de que eu estava dirigindo acima do limite de velocidade. Além de outras opções, eu poderia pagar a multa, assumindo a culpa. Enfim, independentemente da minha decisão, eu teria o prazo de 10 dias para me manifestar, sob pena de ser ordenado um mandado de prisão em meu nome.
Como eu não tinha a menor vontade de pagar essa multa (já que, como toda multa, a gente considera como dinheiro jogado no lixo), esperei até o último dia para postar meu cheque de pagamento pelo correio. E o mais interessante foi receber em meu endereço a carta do Distrito Magisterial competente a cópia da solicitação para a suspensão da minha carteira de motorista porque eu não havia pago a referida multa (carta postada precisamente no 11º dia após a emissão da citação).
Fico imaginando que, se a organização é tamanha a ponto de verificar assim tão de perto quem paga e quem não paga as multas de trânsito, acredito que eu poderia acabar presa se eles não tivessem recebido o meu cheque naquele mesmo dia. Mesmo considerando que o endereço que o policial anotou não estava com o número do apartamento correto e o número da minha carteira de habilitação também estivesse incorreto. De uma forma ou de outra, eu não queria pagar pra ver.
Mas o tópico do post de hoje não é esse e, sim, o chamado D.U.I. (driving under the influence). É interessante verificar que à beira das estradas, sempre vejo placas dizendo “D.U.I.? You can’t afford it”, que literalmente quer dizer “Você não pode se dar ao luxo de dirigir intoxicado”. E a verdade é essa mesmo: pode sair muito mais caro do que se imagina!
Hoje de manhã, tive a oportunidade de acompanhar alguns processos relacionados a D.U.I. em Bellefonte, próximo a State College, na Pensilvânia. Acredito que o tema, em si, merece um outro post específico, em que eu posso explicar mais detalhadamente quais as punições possíveis, quais os critérios adotados para cada caso. Aqui, vou me limitar a algumas consequências que se pode ter de enfrentar ao ser pego dirigindo bêbado.
De modo geral, as penas aplicadas podem variar de registro de pontos na carteira de motorista (como violação grave), suspensão da carteira de motorista, multa, obrigação de participação em aulas de educação no trânsito, probation (que seria uma espécie de transação penal), prisão, tratamento de desintoxicação obrigatório, instalação de dispositivo de ignição no automóvel (como um bafômetro, que detecta a presença de álcool) ou o acúmulo desses, dependendo dos níveis de álcool detectados no indivíduo e de circunstâncias constatadas no momento.
É necessário compreender também que, na Pensilvânia (e na maioria dos estados americanos), existe o chamado Implied Consent Law, que significa dizer que, se o estado concede a carteira de motorista, entendida como um privilégio, simultaneamente o indivíduo habilitado dá, em troca, a permissão para que lhe seja solicitado exame de sangue, bafo ou urina, caso haja suspeita de D.U.I. Apesar disso, sabe-se que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, mas, neste caso, em se negando a soprar o bafômetro, a consequência é prisão por 3 dias além da suspensão da carteira de motorista por 1 ano.
Considerando, então, que ser flagrado ao volante após a ingestão de bebida alcóolica era uma das maiores causas de encarceramento no estado da Pensilvânia, o que implicava em altos custos com procedimentos judiciais e administrativos, além de causar grande alvoroço nas casas de custódia e delegacias locais. Além disso, os índices de reincidência não eram muito animadores, já que, apesar de tantas sanções severas, ainda beiravam os 80%.
Pensando nisso, é que se resolveram criar cortes especializadas, como as denominadas Therapeutic Model Courts, que trata de um modelo de justiça alternativo, em que há uma equipe colaborativa formada para auxiliar o juiz (promotor de justiça, psicólogo, oficiais de probation, profissionais relacionados à recuperação de dependentes químicos, entre outros), que monitora os passos dos réus, que são submetidos a tratamento, ao invés de simplesmente serem encarcerados.
Primeiramente, preciso deixar claro que as cortes especiais, como é o caso das D.U.I. courts, existem conforme a discricionariedade de cada estado. Assim, no estado da Pensilvânia, tal corte foi criada com o objetivo de modificar o comportamento de infratores dependentes de álcool, que são presos por dirigirem bêbados. A intenção seria solucionar problemas de modo a proteger a segurança pública por meio de aplicação de sanções mais educativas do que propriamente punitivas, como exames periódicos obrigatórios para a detecção de substâncias não permitidas, supervisão comunitária e outras que se julgem pertinentes.
Interessante ressaltar que não se trata de um easy way out, isto é, não é o meio mais fácil de escapar da punição. Ao contrário, pode ser muito mais difícil do que parece. Pode-se passar inicialmente por um estágio de prisão, em que a intenção é de fato afastar o indivíduo do álcool, em lugar supervisionado 24 horas por dia. Após tal período, o infrator é liberado para tratamento, sendo monitorado por um dispositivo chamado “TAD“, uma tornozaleira que detecta o consumo de álcool pela pele. Durante essa fase, a liberdade é assistida pelos probation officers, por meio de diários que os infratores são obrigados a escrever contando sobre o seu dia-a-dia e por meio de comparecimento a audiências perante o juiz a cada duas semanas. Caso haja violação, além de ter os “benefícios” revogados, o infrator pode ter de passar pelo processo tradicional e enfrentando penas mais severas.
A chave para o sucesso desse modelo em detrimento do sistema tradicional, segundo o juiz Bradley Lunsford, é a supervisão constante, combinando esforços judiciais, administrativos e terapêuticos, por um longo período de tempo, o que permite fazer com que as taxas de reincidência caiam para 7 % a 10%, chegando em alguns estados a 0%. O problema, por outro lado, é que depende imensamente da motivação pessoal de cada um dos indivíduos submetidos a esses tratamentos obrigatórios.
Apesar de descrito muito superficialmente, esse é um dos exemplos que podem ser citados para demonstrar a possibilidade de se criar meios alternativos a prisão (e que se mostram eficazes em seus propósitos). Deve-se, cada vez mais, ao invés de se pensar exclusivamente na punição para infratores, em modelos educativos que possam permitir a edificação da consciência. Só assim pode-se esperar algum resultado positivo a longo prazo.
Post escrito na vigência da Bolsa de Estágio de Doutorado – Balcão concedido pela CAPES, desenvolvido na Pennsylvania State University, em State College, PA, Estados Unidos.