De acordo com levantamento da Rede de Obras, 16 estão sendo construídos e 81 estão em fase de projeto
Projetar um centro de detenção não é dos trabalhos mais simples para o arquiteto. Apesar de existir resolução do CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária -, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, com diretrizes básicas para arquitetura penitenciária, nem sempre as soluções que constam na legislação facilitam a elaboração do projeto. “Os profissionais querem projetar prisões mais humanizadas, que levem em consideração o bem-estar tanto do servidor que atua na penitenciária, quanto do próprio detento. Mas existem muitos empecilhos para que isso aconteça, portanto, por mais que os arquitetos tentem revolucionar esse setor, na prática sempre acaba sendo criado mais do mesmo”, explica a arquiteta e doutora Erika Sun, consultora em arquitetura de centros de detenção.
Segundo Erika, o marco teórico que embasou a criação da resolução envolveu muitas discussões políticas e pouco conhecimento técnico e prático. “O parâmetro utilizado para dimensionamento e programa de necessidades não é prático para quem vive a realidade das penitenciárias”, afirma. Mesmo com a dificuldade, está crescendo o número de projetos do tipo no país. Segundo levantamento da Rede de Obras, ferramenta de pesquisa da e-Construmarket, atualmente 16 novos presídios estão sendo construídos no Brasil, enquanto outros 81 estão na fase de projeto, totalizando 97 empreendimentos.
Para construir esses centros de detenção, os investimentos são totalmente públicos. Existem os fundos estaduais para financiar essa parte do sistema penitenciário, além de uma reserva nacional. “Quando os estados são ricos, há um pouco mais de liberdade criativa no momento de elaborar o projeto arquitetônico. Porém, em regiões pobres, não é possível contratar profissionais especializados, que conheçam as resoluções e peculiaridades da arquitetura prisional”, detalha a arquiteta, comentando que essa dificuldade de interpretação da legislação é comum, já que muitas vezes é ambígua. “A característica principal do regime fechado é que a cela obrigatoriamente deve ser individual, a lei diz isso. Mas a resolução, que hierarquicamente está abaixo da lei, permite que dentro da penitenciária existam celas para até seis pessoas”, detalha.
“Os profissionais querem projetar prisões mais humanizadas, que levem em consideração o bem-estar tanto do servidor que atua na penitenciária, quanto do próprio detento. Mas existem muitos empecilhos para que isso aconteça, portanto, por mais que os arquitetos tentem revolucionar esse setor, na prática sempre acaba sendo criado mais do mesmo”, Érika Sun.
Aumentar o número de detentos dentro de uma mesma cela dificulta, ainda, o cumprimento dos interesses da execução penal, que deve servir tanto para punir quanto para recuperar. Segundo a regulamentação, a área mínima da cela para um preso são 6 m² e a cada novo detento é necessário aumentar pouca coisa nesse espaço – seis presos poderão conviver em cerca de 12 m². Por questões de facilidade de construção, tenta-se padronizar o máximo possível o tamanho das celas, mas existe a possibilidade para diferentes tamanhos em um mesmo presídio, o que, em geral, não ocorre.
“A característica principal do regime fechado é que a cela obrigatoriamente deve ser individual, a lei diz isso. Mas a resolução, que hierarquicamente está abaixo da lei, permite que dentro da penitenciária existam celas para até seis pessoas”, Érika Sun.
“Ao colocar seis detentos dentro de uma cela, pode ser que um deles seja muito perigoso e influencie os demais. A lei prevê um centro de observação criminológica, que seria responsável por classificar os presos e separá-los conforme os níveis de segurança: mínima, média e máxima. Mas, no Brasil, isso não acontece devido à falta de estrutura necessária para realizar essa classificação e separação”, fala a especialista. “Na minha opinião, penitenciárias pequenas são melhores. O ideal seriam 300 presos, no máximo, pois facilitam o controle. Os novos centros de detenção federais têm sido construídos para 208 detentos, mas nunca lotam por serem muito específicos”, completa.
FUNCIONALIDADE X SEGURANÇA
O viés mais levado em consideração para a arquitetura de centros de detenção é a segurança. “Algumas doenças que já foram erradicadas do lado de fora acabam aparecendo dentro do presídio, como a tuberculose. Para evitar que a tuberculose se espalhe, é preciso arejar o ambiente. Porém, as janelas responsáveis pela ventilação natural poderiam servir como rota de fuga para os detentos e, por isso, o espaço é fechado”, exemplifica a profissional.
“Na minha opinião, penitenciárias pequenas são melhores. O ideal seriam 300 presos, no máximo, pois facilitam o controle. Os novos centros de detenção federais têm sido construídos para 208 detentos, mas nunca lotam por serem muito específicos”, Érika Sun.
As soluções para proporcionar a iluminação e ventilação naturais da edificação beiram o absurdo. “O mais comum são as aberturas criadas a partir de rasgos na parede. Ao invés de se abrir uma janela, é feito um vão de 8 cm seguido por parte sólida e assim sucessivamente, até ser montada uma grade de parede e sem qualquer proteção contra chuva, vento, frio. Esse modelo é bastante usado e pouco funcional. No primeiro inverno, após a penitenciária federal de Catanduva, no Paraná, ficar pronta, foi preciso comprar cobertores às pressas, sem licitação, pois o frio era intenso no interior do presidio”, detalha a especialista.
A resolução determina que os centros de detenção tenham espaços para cozinha e lavanderia, onde os presos poderiam trabalhar, mas também nesse caso o fator segurança fala mais alto. “Como equipar as cozinhas com facas e caldeirões quando as pessoas podem usar esses objetos para outros fins? Então os serviços na lavanderia e cozinha acabam sendo terceirizados e realizados fora da penitenciária, tornando ociosos os espaços destinados a essas atividades”, explica Erika, que analisa como negativa essa terceirização. “Acredito que o centro de detenção deve ser autossustentável, gerando trabalho para os presos que passam muito tempo sem atividades”, avalia.
A área da arquitetura prisional apresenta diferentes barreiras, não somente pelos problemas políticos, mas também porque o acesso ao conhecimento técnico é limitado. “Profissionais que querem aprender sobre penitenciária têm dificuldades para conhecer como funciona a realidade de um presídio, por ser um sistema restrito e que dificulta a entrada. Isso acaba limitando o desenvolvimento do conhecimento técnico”, fala a arquiteta.
“Acontecem essas barbaridades na arquitetura brasileira prisional, querer usar os exemplos de fora sem adequá-los à nossa realidade”, Érika Sun.
CENÁRIO NACIONAL
A resolução do CNPCP, de 2005, ganhou sua versão mais atualizada em 2011, quando houve melhoria de diferentes aspectos, mas, ainda assim, deixou a desejar. “No momento das discussões, faltou entrosamento entre as áreas envolvidas, seja da educação, saúde, prefeitura, segurança, entre outras. Às vezes, fica cada um preocupado com seu próprio assunto, dificultando que seja encontrado o ponto em comum para todos. O conselho responsável por criar a legislação é formado, em sua maior parte, por juristas e a única arquiteta que participou da elaboração da resolução era conselheira suplente”, explica a arquiteta.
Isso dificulta a evolução arquitetônica do sistema prisional brasileiro, que está muito longe do ideal. Entre os problemas que acontecem no Brasil, está a tentativa de replicar soluções utilizadas em outros países. “Por exemplo, nos Estados Unidos existem as prisões de segurança máxima automatizadas, com um controle central que abre portas, entre outras ações. O Brasil acha interessante e tenta implantar, mas pode ocorrer uma rebelião e todos os equipamentos serão danificados, sendo que não teremos mão de obra específica para fazer essa manutenção”, diz. De volta ao tema das aberturas, Erika Sun lembra que nas prisões norte-americanas, as janelas funcionam meramente como fonte de iluminação natural, sem a necessidade de abrir e fechar. Mas são dotadas de recursos para o conforto ambiental. “No Brasil, não é utilizado sistema de aquecimento ou ar condicionado, então são colocadas as aberturas sem vidros. Quando chove, molha a cela e quando faz frio, o preso tem que dormir embaixo do colchão. Acontecem essas barbaridades na arquitetura brasileira prisional, querer usar os exemplos de fora sem adequá-los à nossa realidade”, finaliza Erika.
Colaborou para esta matéria
- Erika Sun – Iniciou suas pesquisas sobre arquitetura prisional e sistema penitenciário, ainda na graduação. Desde então, dedicou-se a estudar, além de Direito Penal, Processual Penal e Execução Penal, criminologia, os fundamentos da pena, filosofia do direito, psicologia (sobretudo social e ambiental), além de outros temas correlatos. Formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB) em 2005, e em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (2006). É, também, Especialista em Direito Público pela Faculdade Fortium (2007), Mestra (2008) e Doutora (2014) em Arquitetura Prisional pela Universidade de Brasília (Bolsista pela CAPES e pelo CNPq, respectivamente). Profissionalmente, atuou no Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, em trabalhos relacionados à elaboração de projetos arquitetônicos de construção e de reforma de estabelecimentos penais. Lecionou também, em nível de graduação, as disciplinas Direito Penal, Processo Penal e Prática Jurídica, contribuindo para a formação profissional de operadores do direito em matéria penal. Atualmente, presta serviços de consultoria, tanto na área jurídica como também arquitetônica, no que tange a estabelecimentos penais, direito penal e processual penal, bem como execução penal propriamente dita.
Repost de @aecweb