Muitos daqueles que me procuram, pedindo ajuda em soluções arquitetônicas para alguns problemas encontrados em estabelecimentos penais, acreditam que, com alguns ajustes espaciais aqui e ali, conseguirão resolver situações aberrantes que ocorrem diuturnamente atrás das grades. Creem que se trata de resultado da ociosidade, que pode ser simplesmente tratada com um pouco de ocupação. Ou falta de “carinho e atenção”, e que em se permitindo que visitas possam ir e vir sem maiores burocracias possa ver melhoras significativas no comportamento do preso. No entanto, não se tratam de problemas assim tão simples e muito menos de fórmulas mágicas a serem trazidas em forma de arquitetura prisional que farão com que a situação das prisões seja resolvida. Ao contrário, são inúmeros os sintomas sociais que se debruçam de forma tão intrínseca ao próprio sistema – e à própria sociedade livre – que é quase impossível de se desvincilhar deles.
Evidentemente que cada sociedade possui suas próprias características latentes, mas neste momento, vou me ater àquela que abriga a maior população carcerária do mundo: a sociedade estadunidense. Um dos maiores problemas encontrados nos Estados Unidos, sem sombra de dúvidas, é o racismo. Apesar de todos os discursos que se pretendem difundir, sobretudo o do “sonho americano”, o racismo nunca deixou de existir. Nos jornais dos dias de hoje, mais do que nunca, é possível ler notícias de policiais que atiram em negros, utilizando-se depois da desculpa de que estavam agindo de “maneira suspeita”. Sendo assim, as prisões acabam refletindo esse comportamento racista, em que as estatísticas não mentem. Apesar de antigas, estatísticas de 2009 mostram que 47% da população carcerária era formada por negros e 18% de hispânicos.
Em 6 de julho de 2015, em Dakota do Sul, Sarah Lee Circle Bear, uma jovem de apenas 24 anos, morreu sob custódia do Estado, em um centro de detenção de Aberdeen. Ela foi encontrada sem sinais vitais dentro de uma cela de espera, levada a um hospital próximo, onde foi decretada a sua morte no mesmo dia. Testemunhas contam que Circle Bear foi transferida para esta cela, após ter pedido ajuda aos guardas que estava sentindo muita dor. Os funcionários do estabelecimento, porém, mandaram que ela “parasse de fingir” antes de, de fato, arrastarem o corpo dela pelo chão até a cela onde ela foi posteriormente encontrada inconsciente.
Ela deixou dois filhos, de 1 e 2 anos, respectivamente. É importante ressaltar que todas as pessoas levadas sob custódia e, portanto, sob os cuidados do Estado, tem o direito de receber cuidados médicos apropriados e tratamento justo. Não é o que parece ter acontecido com Circle Bear, e o que o estado de Dakota do Sul, onde vivem grande parte da população de nativos americanos, que são minorias, dos quais são vítimas de crimes de ódio e racismo. É importante que se investiguem esses tipos de negligência estatal para que se exijam melhores tratamentos não só para as mulheres, mas também para pessoas de etnias difereciadas.
Outro caso revoltante que aconteceu recentemente, também nos Estados Unidos, foi o de Michael Robinson, de 33 anos, em Missouri, no dia 16 de agosto de 2015. Ele havia sido preso na sexta-feira, dia 14, por falta de pagamento de pensão alimentícia, isto é, fato não criminoso. Por ser diabético, ele necessitava de doses de insulina pelo menos duas vezes ao dia.
Ele foi levado ao Pemiscot County Jail (Centro de Detenção local), onde implorou para que tivesse suas doses de insulina, porém teve seus pedidos negados pelos funcionários do estabelecimento penal. Com isso, ele foi se tornando tão fraco que sequer conseguia manter sua cabeça erguida. Ele foi confinado em cela solitária porque pedia, aos berros, que precisava de seu medicamento, e, para que ficasse quieto, foi a solução que encontraram.
No domingo de manhã, segundo familiares, Robinson foi fiinalmente levado ao hospital, onde morreu horas depois. No momento de sua morte, seus níveis de glicose chegaram a 2.500, sendo que o normal, dependendo do que a pessoa se alimenta, é entre 80 e 180, de acordo com a Associação Americana de Diabetes.
Assim, com esses poucos exemplos, pode-se perceber que, embora haja boa vontade por parte dos arquitetos na produção de melhores espaços de estabelecimentos penais, projetando-se prisões com soluções arquitetônicas mais bem intencionadas para determinados propósitos, é imperativo que se pense também o funcionamento social dentro das grades. A interação social, mais do que qualquer outro fator, é determinante para o sucesso da execução penal, afinal não só de arquitetura vivem as prisões.