Erros judiciais – ECA x Código Penal

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Apesar de já parecer notícia antiga, nunca deixo de me surpreender ao ler casos de erros judiciais. Pois bem, ainda no mês passado, quando estive em Brasília, o Correio Braziliense do dia 14 de maio de 2011, sábado, noticiou o “”Drama de um jovem na prisão”, contando a história de um garoto de 15 anos mantido por engano no Complexo Penitenciário da Papuda por quase 3 meses.

Relata a matéria que o jovem foi levado à prisão em 14 de fevereiro sem documentos de identificação, após o furto a um quiosque. Apesar de ser menor de idade, foi mantido por 87 dias na Papuda, junto com outros detentos maiores de idade, a partir da presunção de que teria 19 anos, conforme afirmava a ficha de um abrigo que o jovem portava.

 

 

Na reportagem, pode-se perceber a tensão entre os argumentos do diretor-geral substituto da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal (Sesipe), John Kennedy, e o advogado do jovem, Gilson dos Santos. Kennedy afirma que medidas foram tomadas na mesma semana em que o adolescente foi detido, sendo ele isolado enquanto investigações sobre a verdadeira idade dele eram realizadas. Santos, ao contrário, afirma que o menor somente foi separado dos demais detentos em 9 de março, sendo que teria, inclusive, dividido cela com um de seus clientes (maior de idade).

Independentemente de quem foi o verdadeiro “descobridor” da falha, não se pode negar que há falhas evidentes no caso. Segundo o art. 175 do Estatuto Da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 1990- ECA, em caso de não liberação imediata, o adolescente deve ser encaminhado ao representante do Ministério Público juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência. Conforme seus parágrafos, tal encaminhamento deve, em tese ser imediato e, na impossibilidade de assim o ser, o prazo a ser observado é de 24 horas, devendo o  jovem ficar recolhido em entidade de atendimento ou em dependência separada da destinada a maiores.

Além disso, ainda que não se soubesse a real idade do jovem infrator, a própria Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210/84 – LEP, em seu art. 84, dispõe que “o preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado”. Sabe-se, porém, que tal dispositivo raramente é observado.

Outros casos semelhantes podem ser citados, como o de uma garota de 14 anos que ficou presa por cinco dias em uma penitenciária feminina em São Luís, no Maranhão, com outras mulheres maiores de idade, após ter sido presa em flagrante sob a alegação de integrar uma quadrilha de roubos de carros.

Pior ainda, foi o caso de Abaetetuba, cidade no interior do Pará, ocorrido em 2007, quando uma adolescente de 15 anos ficou detida por 24 dias, acusada de furto, em uma cela com 20 homens. Três delegados e policiais envolvidos na prisão da jovem, ouvidos à época, alegaram que ela ficou na cela masculina por não haver carceragem feminina no município.

 

Fonte: Jornal “O Liberal”

 

 

Nessa situação, a adolescente teria dito que havia sofrido nas mãos dos presos. “Ela se submetia a abuso sexual (…) a manter relação sexual com os presos em troca de comida, porque até então ela não tinha parentes que tinham conhecimento da situação em que ela se encontrava”, afirmou a conselheira Diva Andrade.

 

ECA x Código Penal

De qualquer maneira, os casos relatados acima, embora denunciem erros grotescos, deve-se reconhecer alguns outros equívocos comumente observados quando se depara com casos que devem ser analisados sob à luz do ECA. Pelo Código Penal, para ser imputável, o indivíduo deve ter maioridade penal, que, no país, é 18 anos de idade. Assim, menor de idade é considerado inimputável e, por esta razão, os procedimentos a serem adotados são diferenciados e até mesmo a terminologia é própria.

Por exemplo, não se registra auto de prisão em flagrante, mas sim um auto de apreensão (e, por conseguinte, menor não é preso e, sim, apreendido). Menor não comete crime, mas ato infracional.

Além disso, o adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.

E, ao final do processo de apuração de ato infracional, os resultados, considerando a inimputabilidade do menor infrator, podem ser: o arquivamento dos autos (se estiver provada a inexistência do fato, não houver prova de existência do fato, o fato não constituir ato infracional, não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional), a remissão (como forma de extinção ou suspensão do processo), ou aplicação de medida sócio-educativa (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional ou a combinação de qualquer uma dessas).

Por fim, ainda que a medida sócio-educativa aplicada seja a de internação, e embora o Código Penal preveja penas calculadas em lapsos temporais específicos, ao adolescente infrator não há prazo determinado para a internação, mas deve a sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. Além disso, em hipótese alguma, tal prazo poderá exceder 3 (três) anos, devendo, após transcorrido esse período, ser colocado em liberdade ou em regime de semi-liberdade ou liberdade assistida. E aos 21 anos, a liberação deve ser compulsória.


 

Post escrito na vigência da Bolsa de Estágio de Doutorado – Balcão concedido pela CAPES, desenvolvido na Pennsylvania State University, em State College, PA, Estados Unidos.

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