TED: Adam Foss – Uma visão sobre um sistema de justiça melhor

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Apesar de, infelizmente, este vídeo não possuir legenda, vou fazer o meu melhor para capturar a essência dele e colocar aqui o que Adam Fosser, um promotor de justiça dos Estados Unidos, expôs em sua palestra de aproximadamente 16 minutos por meio do TED Conferences. A chamada de sua exposição dizia que “quando um jovem comete um crime, a justiça criminal americana tem uma escolha: usar a lei em sua mais rígida forma de aplicação ou dar um passo para trás e perguntar a si mesmo se colocar o peso de fichas criminais sobre eles é a coisa certa a se fazer todas as vezes.”

Como filho adotivo de um policial e uma cabelereira, Adam Fosser é promotor de justiça e acredita que pessoas deva ser responsáveis pelas suas ações e que todos possam andar livres e seguros em suas comunidades. Ele ama o seu trabalho e as pessoas que fazem o mesmo trabalho. Só acha, no entanto, que aqueles que o fazem deveriam ter a responsabilidade de fazerem de um jeito melhor.

Para demonstrar sobre o que ele estava falando, resolveu fazer uma demonstração prática: para a plateia que estava escutando a sua plateia, pedindo para que levantassem as mãos, caso as respostas fossem afirmativas, lançou as seguintes quatro:

  1. quantos de vocês, antes dos 25 anos de idade, comportaram-se mal na escola, foram para algum lugar para o qual especificamente lhes havia sido dito que não deviam ir, ou beberam antes da idade legal?
  2. quantos de vocês já furtaram algum objeto de alguma loja, usaram drogas ilícitas ou entraram em alguma briga – sim, mesmo que seja com algum irmão?
  3. agora, quantos de vocês aqui já passaram alguma noite na cadeia por uma dessas decisões?
  4. quantos de vocês acham que são um perigo para a sociedade e devem ser definidos por essas ações de sua juventude?

Após nenhuma pessoa ter levantado a mão para essa última pergunta, ele disse ter conseguido chegar ao seu ponto. Quando as pessoas conversam sobre a reforma da justiça criminal, geralmente o foco gira em torno de algumas coisas apenas, ignorando-se inúmeras outras. Para ilustrar a situação, ele falou sobre o seu próprio ponto de vista, quando ele resolveu ingressar no curso de direito, meramente por dinheiro, sem nenhum interesse em direito criminal. O primeiro contato com o sistema de justiça criminal, que fez a sua vida mudar, assim como a sua carreira foi no fim de seu primeiro ano do curso de direito, quando estava fazendo um estágio no Fórum Municipal de Boston, na Divisão de Roxbury, em que, em um auditório, pessoas, uma a uma, entravam e falavam apenas uma palavra “Inocente” (ou duas, em inglês “Not guilty”). A maioria era formada por negros e pardos, sendo que o juiz, o promotor, bem como o defensor, que iriam fazer decisões que mudariam a vida deles, sem que, no entanto, soubessem de nada ou nenhum detalhe do que se passava na cabeça deles. E enquanto o promotor lia os fatos de cada caso, Adam Fosser pensava consigo mesmo, “isso era tão previsível…”. Não porque ele era um expert em leis criminais, mas porque era senso comum. E, ao longo do estágio, ele começou a reconhecer aquelas pessoas no auditório, não porque elas eram mentes brilhantes do crime, mas porque elas vinham para pedir ajuda e eram mandadas para longe sem nenhuma.

No segundo ano do curso, ele começou a trabalhar como paralegal para um defensor, e com aquela experiência, conheceu uma série de pessoas que foram acusadas por homicídio. Mesmo nos “piores”casos, ele ouvia histórias humanas. E todas elas continham traumas de infância, vitimização, pobreza, perdas, abandono de escola, interações precoces com a polícia e com a justiça criminal, e todas elas culminando com audiências em fóruns e tribunais. Aqueles condenados por homicídios estavam fadados a morrer na prisão e eram naqueles encontros que Adam se perguntava o porquê de ter de se gastar tanto dinheiro para se manter aquele 1 indivíduo na prisão pelos próximos 80 anos se é possível se reinvestir tal quantia e talvez até mesmo se prevenir que um crime de tal natureza volte a ocorrer.

No terceiro ano de direito, Adam defendeu pessoas de crimes de pequeno potencial ofensivo, principalmente doentes mentais, moradores de rua, drogados, todos necessitados. Eles procuravam ajuda e eram enviados para o sistema de justiça criminal sem nenhuma assistência, sendo processados, adjudicados, “defendidos”, condenados por pessoas que não sabiam absolutamente nada sobre eles.

Essa ineficiência do sistema é algo que fez com que Adam Fosser se decidisse pelo trabalho na justiça criminal. A injustiça institucionalizada fez com que ele quisesse se tornar um defensor. E essa dinâmica de poder fez com que ele se decidisse pela promotoria.

Ele se limitou a falar sobre o problema, uma vez que todos sabem sobre os 2.3 milhões de pessoas nas cadeias e prisões americanas, fazendo com que os Estados Unidos seja a maior nação encarcerada do planeta. Além desses números, são 7 milhões de pessoas sob condicional, e que a justiça criminal afeta desproporcionalmente pessoas de cor, principalmente as mais pobres. E que existem falhas acontecendo nos tribunais de todos os lugares, mas geralmente quando se reclama, costuma-se falar da polícia, das leis e das prisões. Ninguém nunca fala dos promotores.

Em 2009, um jovem foi preso pela polícia de Boston. Ele tinha 18 anos, era negro e estava cursando o último ano do ensino médio de uma escola pública. Ele tinha aspirações para entrar em uma faculdade mas o seu salário extremamente baixo de um trabalho de meio período não era suficiente para permitir a oportunidade necessária para entrar naquele estabelecimento escolar. Numa série de más decisões, resolveu furtar 30 laptops de um estabelecimento comercial e vender pela internet. Isso levou a sua prisão e ao registro de ocorrência de 30 crimes. O potencial de tempo na prisão que ele poderia passar por tal decisão era o que mais estressava Christopher, mas ele tinha pouco entendimento do tanto que a sua ficha criminal podia impactar no seu futuro.

Adam tinha 29 anos, e era um recém-promotor, quando se deparou com o caso de Christopher. O caso era sério, precisava ser tratado com seriedade, mas ele não achava que deveria estigmatizá-lo como criminoso para o resto de sua vida. Para a maior parte dos promotores, eles entram em seu trabalho com pouca apreciação do impacto de suas decisões, apesar de suas intenções. Apesar da plena discricionariedade, a promotoria aprende a evitar os riscos a todo custo, fazendo com que ela se torne inútil. A História nos condicionou a acreditar que o sistema de justiça criminal deve fazer com que cada um responda duramente pelas suas ações de modo que melhore a segurança pública, apesar da evidência do contrário. Na realidade, os promotores são julgados interna e externamente por condenações e vitórias nos tribunais e, por isso, eles acabam sendo incentivados a permanecerem na mesma posição, sem criatividade, sem tomarem riscos com pessoas. E assim, os mesmos métodos antigos e contraproducentes acabam sendo perpetuados, no sentido de se alcançarem “comunidades mais seguras”.

No lugar de Adam, a maior parte dos promotores teria mantido Christopher preso. Eles não se interessam no que podem fazer. Isso teria lhe dado uma ficha criminal, feito com que fosse muito mais difícil para que ele arrumasse um trabalho no futuro, iniciando um ciclo que basicamente define o sistema falido de justiça criminal dos dias atuais. Com uma ficha criminal e sem trabalho, Christopher iria ser incapaz de arrumar emprego, educação, moradia. Sem esses fatores de proteção na vida, Christopher estaria muito mais propenso a cometer crimes muito mais sérios. Quanto mais contato com o sistema criminal, mais a probabilidade de retornar – e isso com um custo social tremendo para os seus filhos, e sua família e seus iguais (amigos, colegas, etc.). E, isso é um resultado terrível para a segurança pública para todos os outros.

Quando ele saiu do curso de direito, ele saiu como promotor de justiça, em que se esperava que promovesse a justiça, o que ele não aprendeu em sala de aula. E ninguém aprende isso em sala de aula. Nenhum de nós!

E apesar disso, promotores de justiça são os atores mais importantes do sistema de justiça criminal. O poder é virtualmente ilimitado. Na maioria dos casos, nem os juízes, nem a polícia, nem os legisladores, nem o prefeito, nem o governador, nem o presidente pode dizer como o promotor deve lidar com o caso. É decisão do promotor a forma que ele vai denunciar o criminoso. E a decisão em relação ao Christopher de dar a ele uma ficha criminal ou não era exclusivamente de Adam. E ele poderia escolher se ele iria denunciá-lo por 30 crimes ou por 1 só ou um crime de menor potencial ofensivo ou simplesmente não denunciar. E eu podia escolher oferecer um acordo a Christopher, levar o caso ao tribunal, mandá-lo à prisão. Todas essas decisões são dadas a promotores todos os dias e eles são, muitas vezes, inconscientes do tamanho do poder das graves consequências do que essas simples escolhas podem causar nas pessoas.

Outro dia, no verão passado, ele notou que um homem, do outro lado do restaurante, enquanto almoçava um sanduíche às pressas, estava sorrindo pra ele. Ele reconheceu o homem, mas não lembrava bem de onde. Quando menos esperava, o homem estava do seu lado e estava o abraçando e agradecendo. E ele simplesmente repetia “Você se importou comigo e mudou a minha vida!” Era Christopher.

Adam não denunciou Christopher. Ele nunca precisou encarar um juiz ou uma prisão, nunca teve uma ficha criminal. Ao invés disso, Adam trabalhou junto com Christopher, fazendo com que ele se responsabilizasse pelos seus atos e, depois, fez com que ele estivesse em uma posição que não fosse cometer um crime novamente, evitando a reincidência. Ele recuperou 75% dos computadores que ele vendeu e devolveu ao Best Buy, e planejou um programa de financiamento para pagar o restante daqueles que ele não conseguiu recuperar. Ele pagou serviços comunitários. E escreveu uma dissertação sobre o caso refletindo sobre o impacto no seu futuro e naquela comunidade. Ele se inscreveu para a faculdade e conseguiu financiamento estudantil, graduou-se em quatro anos.

Depois de todos os abraços, Adam olhou para o crachá e reparou que Christopher trabalhava como gerente em um grande banco em Boston. Ele tinha conseguido superar aquele incidente e estava em uma situação bem melhor, em apenas 6 anos desde aquele evento naquele fórum em Roxbury. Não há como Adam dizer que o crédito é dele, mas certamente ele fez a sua parte em mantê-lo no caminho certo, não o tendo colocado atrás das grades.

Existem milhares de Christophers por aí, alguns trancados em cadeias e prisões. Precisamos de milhares de promotores para reconhecerem isso e protegerem eles. Um Christopher empregado é muito melhor para a segurança pública do que um condenado. É uma vitória maior e melhor para todos nós. Em retrospectiva, essa decisão de não seguir à risca as leis faz todo o sentido. Quando eu o vi pela primeira vez, eu não vi um criminoso. Eu vi a mim mesmo — um jovem precisando de intervenção. Como um indivíduo que foi pego vendendo uma grande quantidade de drogas na minha adolescência, eu sabia que precisava de uma oportunidade, em primeiro lugar, em detrimento do peso do sistema da justiça criminal. No caminho, com a ajuda e a liderança do meu defensor público, meu supervisor e juízes, eu aprendi  sobre o poder do promotor de mudar vidas, ao invés de arruiná-las.

E ele conta sobre algumas outras histórias ocorridas também em Boston, como, por exemplo, uma mulher que foi presa por furtar comida para dar aos filhos. Ao invés de ser presa, eles ajudaram-na a arrumar um emprego. Outro caso foi de um adolescente que deu se envolveu em uma briga. Em vez de ser colocado em uma prisão de adultos, ele foi colocado sob tratamento psiquiátrico e supervisão comunitária. Uma garota fugitiva que foi presa por prostituição, que estava sobrevivendo nas ruas, precisava de um lugar para viver – o que foi conseguido para ela. Ele mencionou que, ao invés de preparar casos para o tribunal, o que eles estavam fazendo era achar soluções para problemas reais que se apresentavam, evitando que muitos crimes, de fato ocorressem.

Sendo assim, que melhor forma de se ocupar o tempo? Qual a forma mais eficiente de se usar o tempo de promotores? Por que se gastar 80 bilhões de dólares em uma indústria que todos sabem estar falindo, quando se sabe que esse mesmo investimento poderia ser realocado em educação, tratamento de saúde mental, de abuso de substâncias investimentos comunitários para melhorias da comunidade?

E por que precisamos nos importar com isso? Porque esse é o dinheiro que nós estamos gastando. São 109.000 dólares em alguns estados para se trancar um adolescente por ano, com 60% de chance de que ele retorne ao sistema. Que investimento mais sem retorno!

Outra razão para nos importarmos com isso é porque é a coisa certa a se fazer. Se os promotores de justiça são parte da criação do problema, é necessário que eles criem uma solução para isso, de modo que se usem outras disciplinas que já usam as informações disponíveis e realizar mais pesquisas.

Além disso, fazer uso da voz e do voto.  Perguntando ao seu cadidato essas perguntas: O que você está fazendo para fazer a minha vizinhança/comunidade/cidade/estado/país mais seguro? Quais são as informações que você está coletando, e como você está treinando os seus promotores para ter certeza de que a segurança pública será eficiente? E, se não está dando certo para todo mundo, o que você está fazendo para melhorar? Se ele não souber responder, ele não está fazendo o trabalho direito.

 

Leia a transcrição da palestra em ingês clicando aqui.

 

 

 

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